4. O RELÓGIO
O colégio onde eu estudava, em
menina, costumava encerrar o ano letivo com um espetáculo teatral. Eu adorava
aquilo, porém nunca fora convidada para participar, o que me trazia uma secreta
mágoa.
Quando fiz onze anos avisaram-me
que, finalmente, ia ter um papel para representar. Fiquei felicíssima, mas esse
estado de espírito durou pouco: escolheram uma colega minha para o desempenho
principal. A mim coube uma ponta, de pouca importância.
Minha decepção foi imensa. Voltei
para casa em pranto. Mamãe quis saber o que se passava e ouviu toda a minha
história, entre lágrimas e soluços. Sem nada dizer ela foi buscar o bonito
relógio de bolso de papai e colocou-o em minhas mãos, dizendo:
– Que é que você está vendo?
– Um relógio de ouro, com
mostrador e ponteiros.
Em seguida, mamãe abriu a parte
traseira do relógio e repetiu a pergunta:
– E agora, o que está vendo?
– Ora, mamãe, aí dentro parece
haver centenas de rodinhas e parafusos.
Mamãe me surpreendia, pois aquilo
nada tinha a ver com o motivo do meu aborrecimento. Entretanto, calmamente ela
prosseguiu:
Este relógio, tão necessário ao
seu pai e tão bonito, seria absolutamente inútil se nele faltasse qualquer
parte, mesmo a mais insignificante das rodinhas ou o menor dos parafusos.
Nós nos entre fitamos e, no seu
olhar calmo e amoroso, eu compreendi sem que ela precisasse dizer mais nada.
Essa pequena lição tem me ajudado muito a ser mais feliz na vida.
Aprendi, com a máquina
daquele relógio, quão essenciais são mesmo os deveres mais ingratos e difíceis,
que nos cabem a todos. Não importa que sejamos o mais ínfimo parafuso ou a mais
ignorada rodinha, desde que o trabalho, em conjunto, seja para o bem de todos.
E percebi, também, que se o esforço tiver êxito o que menos importa são os
aplausos exteriores. O que vale mesmo é a paz de espírito do dever cumprido…
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